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domingo, 25 de setembro de 2016

O que você pode esperar do professor do seu filho

A vocação do nosso País para polêmicas não se esgota. Uma das últimas foi a proposta de reforma curricular do ensino médio. Como eu sempre escrevo sobre as coisas quando a poeira baixa, pois meu timing é meio confuso, não é sobre isso que vou falar. No entanto, há um tema do qual tento falar a meses. Creio que agora chegou a hora. Quero falar da discussão  instaurada pela proposta do projeto de lei Escola sem Partido apresentada pelo senador Magno Malta. O projeto tenta abordar a tentativa de hegemonia de tendencias ideológicas na nossa sociedade e a forma como ela se traduz na escolarização de crianças e adolescentes e na formação universitária. O eixo temático que vejo aferventar a discussão  é o direito ou não do professor de uma escola ou universidade enviesar suas aulas de uma forma que leve a uma flagrante doutrinação ideológica. Essa discussão foi fomentada por setores da sociedade que passaram a divulgar denuncias sobre o tema, apontando para fatos acontecidos em sala de aula ou conteúdos contidos em livros didáticos.

Qualquer pessoa com um minimo de bom senso sabe que o que cremos e pensamos é parte de nós. É possível ser neutro em qualquer fazer? É possível tirar nossas crenças e convicções como quem tira um jaleco ao fazermos nosso trabalho? Não, não o é! Então, estou eu defendendo o que chamaremos de doutrinação ideológica e definiremos como o ato de tentar persuadir alguém à própria crença? Não estou!

Assumindo essas premissas, logo decorrem questões práticas. Posso esperar que um professor que leciona ao meu filho seja neutro? Devo pretender que meu filho nunca se depare com um discurso que põe em dúvida a fé que eu queira deixar-lhe como legado? Não é essa a questão que se impõe a mim como mãe cristã que sou. Enquanto escrevo este post, eu penso nos pais que têm seus filhos nas escolas e nos professores que tem sua subjetividade e seu olhar transpassado por sua percepção da realidade. É possível resolver esse dilema? É possível ter bom senso ao abordar esta questão? Creio que  sim.

Como mãe, eu sei que qualquer autor de programa de TV ou livro, qualquer professor, qualquer pessoa que conviva com meus filhos só poderá compreender as verdades que compõem o eixo central da minha fé se experimentarem o novo nascimento  e tiver um olhar contextualizado e cuidadoso para os elementos que norteiam a forma como vivemos. Mesmo quando se trata dos meus filhos, só posso esperar que vejam certas coisas se experimentarem igualmente o novo nascimento. Sei também que a maternidade intencionalmente cristã inclui ouvir dos meus filhos muitos questionamentos e não desistir deles e orar para que Deus faca a obra na vida deles. No entanto, há uma expectativa que pode ser coerente e respeitosa com os meios a partir dos quais as informações emanam. Posso esperar dos professores e dos meios de informacão, em geral, um minimo de respeito e bom senso e do que vou nomear honestidade intelectual. Deixem que fale disso a partir de exemplos.

Fui aluna e professora universitária por alguns anos. Entrei numa universidade pública no fim da minha adolescência e saí de lá quando meu primeiro filho estava no seu primeiro ano de vida, aos 34 anos. Foi um longo caminho. Sou cristã convicta. Não é difícil identificar isso visualmente, nem é preciso que abra a boca e já se sabe a que grupo cristão pertenço. Nunca deixei de ter uma Bíblia comigo nas minhas idas e vindas no campus. Já presenteie alunos com livros cristãos que viram sobre minha mesa e me pediram pra ler. Já recebi pedidos de alunos para que orasse por eles nas minhas horas vagas e já orei por uma colega deprimida e perdida num intervalo. Muitas vezes, com a sala de professores vazia ou o laboratorio de que fazia parte silencioso, no meu intervalo de almoço, alguém me flagrou no cantinho com os olhos fechados e me perguntou: você estava orando ou meditando? Posso interromper você? Você é pastora Ana? Você consegue ser crente, mesmo sendo quase doutora? Não é contraditorio ser pesquisadora e cristã?. Nunca escondi quem sou. Isso nunca me impediu de fazer o meu papel! Nunca deixei de ministrar os conteúdos em coerencia com a ementa posta. Tive orientando de monografia e prática de pesquisa e alunos das mais diversas orientacões e confissões de fé. Muitos colegas de diferentes crenças o faziam também. Não, eu não era a única! Conheço também irmãos pedreiros, marceneiros, motoristas e de tantas outras profissões que pregam nas horas de almoço, cantam louvores enquanto batem pregos, mas entendem que foram pagos para fazer um trabalho e ali precisam ser bons profissionais e ter parâmetros. O fato de falar da mensagem da cruz é importante, mas eles foram pagos para fazer um trabalho e precisam entrega-lo.


Todavia, a despeito dos casos apresentados, precisamos discutir o que pode e o que não sob o guarda-chuva da liberdade. O que dizer do professor adepto de filosofias orientais que em vez de dar aulas de Introdução à Sociologia no curso de filosofia resolve fazer meditação com os alunos e ensinar psicologia transpessoal  e ao ser questionado pelo aluno cristão crê estar nele (o aluno) o problema?Ou o que dizer do professor de Jornalismo que diz olhando para uma aluna cristã que quem é cristão de tal grupo nao deveria estar ali porque tem os olhos vendados para a realidade e é preconceituoso? O que dizer do professor que não admite que um teórico com visão liberal de econômia seja objeto de discussão da aula ministrada  por um outro colega e invade a sala de aula do mesmo fazendo ameaça velada e dizendo que lutou muito para que aquela forma de pensar seja banida da academia? Ou o que pensar daquele que ao criticar a confissão religiosa do aluno não permite que o mesmo mostre as lacunas historicas e contextuais da critica feita totalmente fora do conteúdo?

As disciplinas na universidade têm uma ementa que é um norteador temático que propõe eixos curriculares ao conteúdo ministrado. Como professora, eu podia e qualquer colega pode escolher bibliografia, a forma de abordar o conteúdo e trabalhar com ele o caminho temático e abordagem. Ao fazer escolhas, eu preciso pensar nas diferentes abordagens e naquilo que é importante que meu aluno conheça, o que é uma escolha seletiva e já inclui e exclui conteúdos. Sim, essa é uma escolha em que minha subjetividade, conhecimento e trajetória vão estar presentes. No entanto, quando eu permito que minhas escolhas se sobreponham ao que a ementa da disciplina propõe, isso pode e deve ser questionado. 

Nas escolas, nas universidades, nos centros de ensino em geral, quando o aluno se matricula o faz em uma escola que tem um projeto pedagógico. Fora esse projeto, há também parâmetros curriculares que definem eixos temáticos, minimamente.No ensino universitário temos a ementa da disciplina e nas escolas no geral temos os parâmetros curriculares. Em nome da liberdade de pensamento e expressão do professor não posso me contrapor à lei ou fazer um proselitismo em que autores fora da minha abordagem sejam excluídos. Que liberdade de expressão é essa que permite a um professor dizer em sala de aula que o aluno que tem determinada crença não serve para determinada profissão? Que liberdade de pensamento e expressão é esse que desrespeita a existência de outros autores que tratam do tema a partir de um diferente paradigma e tolhem o aluno do direito de conhece-los? Que liberdade de expressão é essa que faz o professor combinar com o que ele chama de ``galera inclusiva''e vestir meninos de meninas na escola de educação infantil?

Creio que um professor possa manifestar sua opinião sobre um tema. Ele pode inclusive deixar claro sua visão de fenômeno e sua critica a outras visões de mundo, mas não pode se valer do lugar de professor para tolher o direito dos alunos de compreenderem um fenômeno, a partir de um outro paradigma. Creio que ele não pode substituir eixos curriculares por temas que respondam ao seus interesses em detrimento aos eixos educacionais apresentados aos pais e aceitos por esses como parâmetros. Você pode ser uma professora feminista, mas não pode esperar que ao fim do semestre todos sejam feministas e deve conviver tranquilamente com o aluno que não abraça essa visão de mundo e até se contrapõe a essa visão. Caso sua paixão seja tão grande que leve você a não conviver pacificamente com o aluno que o interpela e diz não aceitar sua visão, muitas vezes de forma critica e fundamentada, seu lugar não é na sala de aula, é na militância do movimento feminista. Outra alternativa é abrir uma escola de confissão feminista e convocar pais para que lá matriculem seus filhos.

Um outro aspecto que deve ser tratado é o que acima chamei de honestidade intelectual. Minhas criticas não podem fugir à margem interpretativas deixadas pelas premissas de outras teorias. Já vi, por exemplo, gente fazendo critica ao cristianismo sem qualquer fundamento. Na academia já ouvi as citações mais bizarras (inexistentes, mesmo) e fora de contexto. Já ouvi que para os cristãos o fruto proibido  do Edem era o sexo e já ouvi interpretações sobre textos bíblicos de quem sequer leu os textos que critica. Já vi até gente confundir frases do cancioneiro popular com palavras do Apostolo Paulo. Isso é desonesto e desleal. Nem é doutrinação, é cegueira ignorante, dissonância cognitiva!

Tenho minhas resistências, discordancias e diferenças teoricas com muitos pontos da psicanálise, por exemplo. Essas criticas foram calcadas em anos de estudo da Psicologia. O humanismo psicológico também  não me representa e me parece estar em antagonismo com a visão bíblica de homem. No entanto, não posso para cooptar adeptos distorcer palavras, dizer sem fundamentos coisas sobre Carl Rogers e Freud que sem qualquer conhecimento em suas teorias e biografias. Se vou critica-los, que o faça honesta e fundamentadamente.  Ou seja, preciso me debruçar e estudar para criticar.

Eu acho sim que precisamos discutir certas coisas e separar o que é liberdade de expressão e pensamento do que é militância cega e ferrenha. Como pais, creio que devemos ter espaço na discussão da questão. Não fiquemos de fora. Nosso reino não é aqui, mas há pelejas que são nossas e não devemos nos omitir. Deus nos ajude!